Somos
incompreendidos. Nem maus nem bons, somos apenas o que somos, e não podemos
mudar nossa natureza.
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Nossa amiga
está desaparecida há três dias. Esse é o caso mais difícil que presenciei e,
aparentemente, o mais chocante, já que Rarity bateu o seu recorde de desmaios.
—
Cup-cupcakes? – Estremeceu Fluttershy.
— Ah,
sim, cupcakes. Mas não são cupcakes comuns, não.
Pinkie
Pie estava irreconhecível. Não era ela, e Fluttershy podia sentir. Aquela pônei
era fria e calculista, provavelmente seu nome nem era Pinkie.
— Há
algum tempo, descobri que para os pôneis... Quero dizer, para os pôneis
comuns... A vida é uma festa. Mas eu, uma mera desafortunada, não posso
usufruir dessa festa. Pois bem. Se eu não posso fazer da minha vida uma festa,
vou fazer da vida dos outros uma festa para mim. Entende? – Uma pequena pausa.
– É claro que não. Acho que vou ter que mostrar um exemplo.
Ela
abriu um armário no canto e tirou uma bandeja com cupcakes.
Fluttershy
gritou. Gritou como nunca pensara ser capaz de gritar.
Os
cupcakes estavam encharcados de sangue. Era a coisa mais horrível que ela já
tinha visto, seus olhos tentavam desesperadamente desviar-se daquilo, mas tinha
que se esforçar para ver quais foram as vítimas. Uma poça se formava na
bandeja. E o pior ainda não era isso, era a ‘cobertura’. Era decorada com
desenhos muito conhecidos: a marca de alguns pôneis da vila, que Fluttershy
duvidava serem feitos com biscuit de confeitaria. Screwball, Aloe, Jet Set e
muitas outras marcas de pôneis que ela não conhecia, junto com suas asas e
chifres.
Os
olhos de Fluttershy se encheram de lágrimas. Não, não podia ser possível.
Simplesmente não podia. Como alguém poderia fazer aquilo?
— Vê?
Você não está feliz de poder ajudar na minha festa?
O pior
de tudo era que Pinkie estava sorrindo. Um sorriso maníaco e desprovido de
emoção. Fez as lágrimas de Fluttershy caírem de vez.
— Como
você pôde?
Teria
dito mais, muito mais, se os soluços lhe permitissem.
— Eu
faço o que posso. Antes de fazer o Grande Golpe, por que não me divertir um
pouco, pra variar?
— Vo-você
não pode tirar a felicidade dos outros para fazer a sua!
— Ai,
eu não posso isso, não posso aquilo. Dane-se! Isso é o que mais odeio em pôneis
comuns. Não estou nem aí pra suas regrinhas idiotas! Eu faço o que quero e
ponto final!
Fluttershy
fechou os olhos e ficou chorando baixinho.
BAAAAM!
Pareceu
o barulho de algo caindo, que deu esperança à pônei apavorada.
—
Argh! – rosnou aquele animal – Esses idiotas! Vou lá em cima, mas não ouse
fazer nada, Fluttershy. Se não quiser comer cupcakes.
Subiu
as escadas e saiu batendo a porta.
Fluttershy
olhou para os lados.
—
Angel. Psiu. Angel.
Sem
resposta.
Começou
a ouvir gritos vindos de fora do porão. Não tinha muito tempo.
—
Angel, se estiver me ouvindo... Desligue a energia enquanto ela não estiver
olhando, OK?
Uma orelha
branca começou a despontar da caixa.
— E
não se meta comigo de novo! Depois não vai ter volta!
Era a
outra voltando. Quando abriu a porta, a orelha desapareceu na caixa.
Quando
fechou a porta e apertou o interruptor, já não era possível ver mais nada. Nem
sequer um vulto.
Fluttershy
estava suando frio. A única coisa que pensava era: “Vai Angel, vai Angel, vai
Angel...”.
Uma
das lâmpadas acendeu-se em cima dela e aquela psicopata materializou-se em sua
frente.
—
Haha, não tentou nada? Boa garota! Sabe, talvez eu até te dê alguns dos meus
doces especiais depois que te transformar em um!
“Angel,
Angel... Por favor, Angel...”
A
outra pegou uma serra elétrica da bancada de ferramentas que até então
Fluttershy não sabia que existia, pois estava atrás dela.
“Pelo
amor de Celéstia, Angel, desliga isso... por favor...”
Então
ela ligou-a, fazendo um zumbido ensurdecedor.
— Diga
adeus às suas asas, minha doce e querida Fluttershy.
Não.
Ela não era capaz de fazer isso. Fluttershy sabia que não era Pinkie Pie, mas
quem poderia em sua sanidade fazer uma coisa dessas sem motivo algum e se
livrar da culpa? Então olhou para os olhos dela. Não havia um pingo de
arrependimento ou culpa neles. Era uma pônei insana.
Então
tudo ficou escuro.
Rainbow
Dash acordou mal, comeu mal e dormiu mal. Graças àquela maldita rouquidão. Sua
garganta arranhava e mal dava pra falar.
Sabe o
que era o pior de tudo? Applejack estava bem!
— Óia
só pr’ocê! Mar consegue falá cumigo! Eu falei pr’ocê qui num dava pra continuá
gritando, mais ocê num quis mi orvi...
— Você
prefere não sair daqui?
— Num
é gritando qui nóis vamo saí! Acha qui tem arguém qui nos ajudaria aqui? Num
tem!
—
Poderia ter, era questão de tentar... Cof, cof! Gasp!
— Alá.
Nem falá ocê consegui.
— Cof,
cof! Caham... Eu consigo falar sim! Cof, cof, cof,
cof!
— Eita! Sai pra lá qui eu num quero pegá esse
resfriado tamém!
—
Mas... – Se conseguisse falar, ela diria que não era resfriado. Só estava
terrivelmente rouca.
Nem
para ganhar as discussões dava.
Em vez
de tentar argumentar de novo (inutilmente) com Applejack, ela foi sentar,
emburrada, na sua cama de feno. Não importava que a cama estivesse comida e que
fosse mais confortável sentar no chão.
— Ei!
– se esforçou para falar – E se a gente tentar código Morse?
— Rainbow!
Si gritá num diantô, pru que Morse daria certo?
—
Código Morse tem várias vantagens! Cof, cof... Caham... Tipo, que se você
tentar código Morse, não chama tanta atenção e eles não soltam gás sonífero
aqui para nos calar.
— Ocê
já feiz isso i eles num sortaro gás sonífero. – disse a outra, com cara de
tédio.
A
pégaso voltou ao seu estado emburrado. Soltou um suspiro.
De
repente, sentiu uma pontada de dor de cabeça. Essa não. Um mal pressentimento
invadiu sua mente. Seus olhos brilharam com o arco-íris da amizade.
Isso
sempre acontecia quando uma de suas amigas estava com a vida em risco. Só
faltava saber qual.
—
Applejack... Você também está com dor de cabeça?
— Não
– a outra pareceu confusa – Por quê?
— Por
nada.
Ou
talvez fosse apenas uma dor de cabeça, afinal.
Quando
toda a luz se extinguira, Fluttershy pensara que estava morta. Infelizmente, a
tortura se estendia.
—
Aaaaaahhhhhh!!! – Um grito de fúria veio da pônei rosa – Quando eu pôr as patas
em você, Fluttershy... Vai se arrepender de ter nascido!
À
medida que seus olhos se acostumavam com a penumbra, ela percebeu que a serra
elétrica fora solta a centímetros da sua cabeça. Estivera muito perto da morte.
Olhando
para os outros lados, conseguiu ver de relance Angel perto do disjuntor. Seus
olhos lacrimejaram. Angel, o coelho rebelde, tinha a salvo.
—
Obrigada, Angel... – agradeceu baixinho.
A
outra pônei tentava inutilmente alcançar o interruptor.
—
Parabéns! – bradou – Você acabou de piorar o castigo! Você vai ver só quando eu
ligar essa...
Angel
passou à uma distância cuidadosa da pônei maluca e chegou na bancada. Lá, ele
pegou uma chave e aproximou-se de Fluttershy.
— Meu
bebê! – Fluttershy chorava
Angel
pareceu se irritar. Não havia tempo para sentimentalismo, ele precisava
salvá-la.
Começou
a tirar as algemas da primeira pata, depois da segunda, e antes que Fluttershy
percebesse já estava livre.
A
pégaso desceu da maca e deu um abraço apertado em Angel. Ela não podia dizer
nada, por motivos de segurança, mas estava profundamente agradecida. Só o
soltou quando percebeu que o abraço estava apertado demais.
—
Fluttershy! Sua maldita potra filha de um jegue! O que diabos você fez com a
lâmpada?
Ela
quase tinha esquecido de que ainda estava presa em um porão com uma assassina.
Tudo o que queria era sair dali na mesma hora, correr o mais depressa possível
para sua casa e esquecer tudo aquilo; mas sabia que caso não desse um fim
naquele monstro (ou ao menos deixá-lo fora de ação) ele ia arranjar mais
vítimas. Mais pôneis inocentes.
Tremendo,
ela pegou a maior chave inglesa da bancada. Levantou-se com dificuldade e foi
se aproximando devagar pelas costas da outra.
Olhou
para aquela crina de algodão doce. Mesmo sabendo que não era Pinkie, que era
uma pônei horrível que tentara matá-la, era difícil machucar a melhor amiga.
Mas não podia deixar os sentimentos a vencerem.
Mirou
a chave inglesa bem no meio da cabeça dela.
Fechou
os olhos.
Usou a
maior força que tinha para bater furiosamente.
Ouviu-se
um estalo. Só então ela abriu os olhos.
Ela
tinha atingido o ombro direito da pônei, que estava no chão segurando o ombro
machucado e lançando um olhar assassino para ela.
O mais
importante: a chave inglesa havia se partido ao meio com o golpe e estava no
chão. Que espécie de pônei é mais resistente do que ferro?
Desconcertada,
Fluttershy deu alguns passos para trás e caiu no chão. A outra levantou-se e
avançou em sua direção. A pégaso se arrastou para trás até dar de encontro com
a parede.
—
Agora, meu bem... – o sorriso maníaco resolveu voltar ao rosto da pônei. – Você
vai conhecer o meu pior.
Fluttershy
encolheu-se ainda mais.
— Cadê
o coelho? Não vou ter piedade desta vez.
Ela
olhou para os lados até encontrar o coelho nos braços de Fluttershy.
— Ah,
está aí? Dê-me o coelho e talvez eu decida poupar a sua estúpida vida.
Fluttershy
fez não com a cabeça.
— O
que você disse? – O rosto encheu-se de cólera.
Repetiu
o gesto.
— Ah,
o amor! O estúpido amor! Sempre impede os pôneis de pensar logicamente. E é por
isso que eu não tenho nenhum. Esta é a sua última chance de escolher a coisa
certa. Use-a bem.
A
pégaso parou de olhar para a outra, abraçou Angel e começou a chorar baixinho.
— Não?
Então, minha querida Fluttershy, não pense que vou ter pena de você. Não sou
como pôneis comuns.
Aquele
monstro estava prestes a avançar, quando se ouviu o som de ossos quebrando.
A
assassina berrou de dor.
Pinkie
Pie apareceu por trás dela. E dessa vez era a Pinkie Pie de verdade.
—
Pinkie? – Depois de tudo isso, a visão da amiga parecia um sonho, a mesma
parecia um anjo.
Pinkie
tinha jogado uma pequena bigorna em uma das pernas da outra.
—
Pinkie! – gritou a assassina – Como ousa machucar a você mesma?
—
Simples, eu não sou você! – respondeu alegremente.
— Você
vai ver!
A
Pinkie falsa avançou, mancando na direção da outra, que deu alguns passou para
trás. Enquanto isso, Fluttershy se arrastava para outro canto da sala,
procurando pelas ferramentas.
—
Aaaahhhh!!! – foi o grito de Pinkie quando foi capturada por uma rede
estrategicamente colocada no chão.
— Sim,
sim. Tudo conforme o planejado. – A outra riu.
Em
seguida focou seu outro alvo, Fluttershy.
— Ahhh,
coitadinha da Flutter... tããão inocente... – disse em tom sarcástico.
Fluttershy
desesperou-se de novo. Olhou para debaixo da mesa, onde a serra elétrica havia
sido deixada.
— Você
está mais do que morta!
Ela se
aproximava cada vez mais. Fluttershy esperou bastante para estar a uma pequena
distância.
Ela
fitou o rosto da Pinkie falsa e percebeu que ela não tinha mais o rosto de sua
amiga. Era uma coisa negra com olhos de inseto azuis.
Abafou
um grito. O mostro riu.
Quando
a outra ia atacar, num movimento rápido, Fluttershy pegou a serra elétrica e a
ligou. Acertou em cheio o rosto demoníaco.
Sangue
voou para todo lado. Apesar de tudo isso fosse muito nojento, Fluttershy não
parou. Aquilo tinha quebrado uma chave inglesa com o ombro e uma perna quebrada
não a parava. Sabe-se o que poderia parar?
O
sangue continuava jorrando na crina de Fluttershy e em Angel, mas ela não se
importou. Aquele pesadelo tinha que acabar.
Finalmente,
ela deixou a serra de lado. O corpo caiu inerte à sua frente, mudou várias
vezes de forma (a de Pinkie e depois de monstro) até assumir definitivamente a
mais feia.
A rede
se partiu, liberando Pinkie Pie.
— Fluttershy!
Fluttershy
chorava, pensando em tudo que teve que suportar. E não encontrara a pobre
galinha.
—
Fluttershy – Pinkie aproximou-se – Agora está tudo bem. Vai ficar tudo bem.
Ela
fez que sim com a cabeça em resposta.
Pinkie
abraçou-a. Fluttershy chorou no ombro de Pinkie pelo que pareceram horas.
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